O juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, afirmou em decisão
desta quarta-feira (18) que é "intolerável" a iniciativa de advogados de
empreiteiras de se reunirem com o ministro da Justiça José Eduardo
Cardozo para "obter interferência política" e endossou as críticas feitas pelo ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa ao episódio.
A argumentação foi feita por Moro para justificar uma nova ordem de
prisão preventiva contra os empreiteiros Ricardo Pessoa (UTC), Eduardo
Hermelino Leite (Camargo Corrêa), Dalton Avancini (Camargo Corrêa) e
João Auler (Camargo Corrêa), sob o entendimento de que as empreiteiras
têm tentado interferir nas investigações.
Cardozo teve reuniões com advogados
da UTC, da Camargo Corrêa e da Odebrecht nos últimos meses,
empreiteiras alvo das investigações da Lava Jato. O fato foi criticado
por Joaquim Barbosa, que pediu a demissão do ministro. Formalmente, a
Polícia Federal, que conduz as investigações da Lava Jato, é subordinada
ao ministro.
Ricardo Borges - 4.dez.2014/Folhapress | ||
O juiz federal Sergio Moro, que conduz os processos da Operação Lava Jato |
Moro citou as notícias sobre os encontros de Cardozo para também fazer
críticas ao episódio. Afirmou que a prisão dos executivos deve ser
discutida "nos autos" e que não há qualquer empecilho para que ele mesmo
receba os advogados constituídos, o que, segundo o juiz, ele faz "quase
cotidianamente".
"Intolerável, porém, que emissários dos dirigentes presos e das
empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões
judiciais com autoridades políticas", afirmou o juiz. E continuou: "Mais
estranho ainda é que participem desse encontros, a fiar-se nas
notícias, políticos e advogados sem procuração nos autos das ações
penais".
Moro ressaltou ainda que Cardozo não é responsável pelas investigações,
não fazendo diferença reunir-se com ele. "Não socorre os acusados e as
empreiteiras o fato da autoridade política em questão ser o ministro da
Justiça. Apesar da Polícia Federal, órgão responsável pela investigação,
estar vinculada ao ministério, o ministro da Justiça não é o
responsável pelas ações de investigações".
O juiz classificou o episódio de "indevida, embora mal sucedida,
tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência
política" e afirmou que Barbosa "bem definiu a questão" ao dizer que, se
você é advogado em um processo, deve recorrer ao juiz, "nunca a
políticos".
Moro, porém, evitou criticar diretamente Cardozo, afirmando que não há
prova de que ele tenha se disposto a atender às solicitações das
empreiteiras. "Sequer é crível que se dispusesse a interferir
indevidamente no processo judicial e na regular e imparcial aplicação da
Justiça", escreveu o juiz da Lava Jato.
OUTRO LADO
Advogado da Camargo Corrêa, Celso Sanchez Vilardi afirmou que não se
reuniu com o ministro Cardozo, embora sustente que não vê nenhum
problema em encontros dessa natureza.
"A discussão não tem o menor cabimento, e tenho a impressão de que estão
confundindo as pessoas dos acusados com as dos advogados", criticou
Vilardi.
Advogado Alberto Toron, que representa a UTC, afirma que nunca se reuniu
com Cardozo para tratar da Operação Lava Jato, mas, sim, com o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Toron classificou o despacho de Moro como truculento.
"Decisão do juiz Moro peca não apenas pela presunção como pela
truculência. Em primeiro lugar, é direito dos advogados conversar com
quem quiserem, inclusive com o ministro da Justiça. Este, por outro
lado, não pode interferir no processo, que tem estrutura própria e é
controlado e dirigido pelo poder Judiciário", argumentou Toron.
O advogado da UTC disse ainda que "causou profunda estranheza a
referência a 'fato superveniente', que simplesmente não trouxe qualquer
repercussão concreta ao processo, que não as declarações do ex-ministro
Joaquim Barbosa".
Toron diz considerar "repugnante" a, segundo ele, tentativa de Moro de
imputar "má conduta aos advogados, que tenham agido com extrema
correção", finalizou.
Em nota, Cardozo afirmou que "em nenhum momento" recebeu solicitação de
advogados para que criasse obstáculos nas investigações ou para atuar em
seu favor em relação a medidas judiciais.
"Caso tivesse recebido qualquer solicitação a respeito, em face da sua
imoralidade e manifesta ilegalidade, teria tomado de pronto as medidas
apropriadas para punição de tais condutas indevidas", informou a nota.
Disse ainda que é "dever" do ministro receber advogados no regular exercício da profissão.
A advogada da Odebrecht, Dora Cordani, declarou que não houve "pedido de interferência política" junto a Cardozo.
"A Odebrecht apenas fez valer seu direito de petição. Ao endossar as
críticas de Joaquim Barbosa, o juiz Sérgio Moro volta a confirmar seu
desprezo pelo exercício pleno da defesa e pela paridade de armas no
processo", disse.
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"Intolerável que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras
pretendam discutir decisões judiciais com autoridades políticas"
SÉRGIO MORO Juiz federal
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"É direito dos advogados serem recebidos e eu os receberei. Só na ditadura que isso não se admite"
JOSÉ EDUARDO CARDOZO Ministro da Justiça, em entrevista à Folha na segunda (16)
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"Os que recorrem à política para resolver problemas na esfera judicial não buscam a Justiça. Buscam corrompê-la"
JOAQUIM BARBOSA Ex-ministro do STF, na terça (17)
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"[O advogado] tem o direito de ser recebido em audiência, principalmente se a audiência for transparente, pública
MARCUS VINÍCIUS COÊLHO Presidente da OAB, quarta (18)
Fotos: Ricardo Borges - 4.dez.2014, Luciano Amarante - 15.nov.2014,
Sérgio Lima - 16.jun.2014 e Danilo Verpa - 25.ago.2014/Folhapress
FOLHA
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